Senhor Presidente da Academia Brasileira de Trova
Senhores Componentes da Mesa
Minhas Senhoras
Meus Senhores
Convidada a proferir a saudação homenageando Aparício Fernandes não pude deixar de fazê-lo, porém desconhecia o quanto a tarefa seria, para mim, emocionalmente penosa. Difícil explicar o que nos vai n'alma em momentos de emoção! Este, é um deles.
Conheci Aparício através de seus livros e quando ingressei no movimento literário o fiz em suas antologias que ele tão honesta quanto caprichosamente sabia organizar. E, então, tive a oportunidade de observar a sua modéstia, o seu amor acendrado à família, ao bem e à justiça.
Aparício, no dizer de João Flavo, "é o maior antologista do mundo pelo volume e expressão das obras que tem organizado". Minha emoção, no entanto, não se restringe à grandeza literária de sua obra, que teremos a oportunidade de apreciar levemente, mas à sua pessoa digna e honrada que poderia no mundo literário ter vencido de forma mais fácil não fosse sua determinação de nunca construir seu êxito sobre o prejuízo de outrem.
Em trova manifesta seu pensamento a respeito:
Se alguém tiver que sofrer
para que eu tenha ouro e glória,
direi com muito prazer:
- Declino dessa vitória.
Minha mãe, quando partiste,
Deus, com imensa piedade,
fez do meu coração triste
um altar para a saudade!
Meu pobre pai, alquebrado,
- gigante da minha aurora!
queira Deus dar-te, em dobrado,
tudo o que me deste outrora.
A percepção metafísica sobre a vida e a morte era constante em sua vida:
Vida e morte Deus retrata
em dois poemas de escol:
a Vida, nas alvoradas,
a Morte, no por-do-sol!
Apreciador do belo sexo, diria em trovas:
Obra prima da Criação,
a mulher - dilema eterno -
é um traço de união
entre o paraíso e o inferno.
Dotada de amor profundo,
meiga e doce em seu mister,
- que graça teria o mundo,
sem a graça da mulher?
Parti do Norte chorando!
Que coisa triste, meu Deus!
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!
Das culminâncias da serra
ao mais profundo grotão,
trago viva a minha terra,
dentro do meu coração!
É o cantor da saudade:
Meu coração sente frio!
- A saudade o transformou
no leito triste e vazio
de um rio que já secou...
Saudade é isto que existe
nos olhos desse velhinho,
quando, embevecido, assiste
aos folguedos do netinho.
Diria de seu estro:
Meu canto é humilde e meu estro,
numa oração triunfal,
rende graças ao Maestro
da harmonia universal!
Sendo essencialmente lírico e filosófico, sabia também ser um fino humorista:
Eu formulo esta sentença
como um libelo à tolice:
antes cego de nascença
do que cego de burrice!
Nome dos mais esquisitos,
que, aliás, não foi bem posto;
há na Rua dos Aflitos
uma calma que faz gosto...
Canta Aparício o amor:
Amor - mistério profundo
que não se pode explicar.
Mesmo, assim, pobre do mundo
se ninguém soubesse amar...
Amor de poeta a todas as mulheres, mas que se eternizou na sua Adelina Maria. Seu soneto "À Minha Esposa" nos diz do seu amor:
À MINHA ESPOSA
Bendita sejas tu que, dentre as criaturas,
em minha alma puseste eternamente o selo
deste amor imortal que encerra mil ternuras,
alimentadas todas pelo teu desvelo.
Bendita sejas tu! As minhas amarguras
foram somente sombras de algum pesadelo;
nuvens de um céu sem cor, nuvens tristes e escuras
não prevalecerão ante o sol do leu zelo.
Bendita sejas tu! ó companheira amada,
porque tu me trouxeste a límpida alvorada
de uma felicidade que jamais senti.
Bendita sejas tu! Por este amor imenso
é que hoje eu vivo e sinto e clamo e sonho e penso:
creio na Vida e em Deus. E mais: eu creio em Ti!
Considerando Adelina sua alma gêmea, em seu canto "Para que mais?'' esboça idéias reencarnacionistas:
PARA QUE MAIS?
A Adelina - minha alma gêmea
Que importa. meu amor, se já não temos
os palácios de outrora, os ouropéis,
nem a bajulação que - bem sabemos -
de tão rasteira, beija os nossos pés!...
Mil vezes viemos e retornaremos
a este mundo de hábitos cruéis,
até que finalmente pratiquemos
os Mandamentos dados a Moisés!
É lei de Deus a reencarnação,
pois só através dela é que a razão
pode explicar destinos desiguais.
De tudo o que passou, nada lamento,
pois foi-me concedido o doce alento
de estares junto a mim. Para que mais?
De sua família nos diz:
"Maria Verônica e André - dois filhos queridos, dois pedaços do meu coração. Juntamente com Adelina formam a família maravilhosa que é o meu refúgio, minha alegria, minha recompensa e meu tesouro ".
Conheceu Luiz Otávio e diz no "Esboço de Autobiografia" de sua Obra Completa publicada em 1983:
A amizade de Luiz Otávio foi preciosa para mim e me trouxe muita coisa boa: desvendou-me os segredos da Trova, entrosou-me com os meios trovadorescos e, direta ou indiretamente, proporcionou-me viagens e passeios, sempre relacionados com a Trova, que ambos cultivávamos. De minha parte, procurei retribuir, favorecendo-o com uma ampla publicidade nas colunas de jornais e programas de rádio que passei a redigir, bem como nos livros que a seguir publiquei.
Continuando, afirma:
Symaco da Costa é outro trovador de quem guardo grandes e boas recordações. Responsável pela primeira publicação de trova de minha autoria, um belo dia fui aos Diários Associados (na Av. Venezuela), onde ele trabalhava, para agradecer-lhe e conhecê-lo pessoalmente. Symaco era funcionário antigo e graduado da empresa jornalística de Assis Chateaubriand. Tínhamos os mesmos pontos de vista no que se refere à publicidade e creio mesmo que, durante algum tempo, Symaco e eu fomos os maiores divulgadores de trovas no Brasil.
Outro amigo de Aparício foi e é Eno Teodoro Wanke. Quando da publicação do seu livro "Sonho Azul" mereceu de Eno a poesia:
AO "SONHO AZUL " DO APARÍCIO
Eno Teodoro Wanke
Agradeço-te de inicio
o livro que a Augusta trouxe
com gosto de amora doce,
meu caro amigo Aparício.
Teu livro, amigo Fernandes,
é coisa que vem de cima.
- Não abusando da rima,
é coisa que vem dos Andes!
A inspiração que ilumina
teus versos sem artifício
é poesia genuína
de um mestre no seu oficio!
Muito grato pela oferta.
Teus versos leio e decoro.
Fie na amizade certa
do teu "chapa " Eno Teodoro.
Sua obra é extensa e preciosa. Além dos Anuários que todos conhecemos e muitos participamos temos em trova: "Sonho Azul", "Trovas do Meu Coração", "Trovadores do Brasil" I°. 2° e 3° volumes, "A Trova no Brasil" e "Nossas Trovas".
Câmara Cascudo se referindo a Trovadores do Brasil: "Esse trabalho, Aparício Fernandes. missão de esforço e obstinação realizadora, positiva o milagre da mais completa concentração floral".
Walter Waeny se referindo a Aparício nos diz: "é o grande poeta que, com prejuízo de sua própria criatividade literária tem trabalhado pela obra de todos com o mesmo amor e a mesma dedicação com que cada autor é capaz de trabalhar, apenas, por si próprio".
Nosso homenageado se despediu da vida material a 9 de janeiro deste ano (nota: ano de 1996). Foi cantar em outra dimensão. Por certo, estará feliz e quem sabe? participando conosco deste momento porque somos imortais, não apenas no sentido Acadêmico.
Em Exortação estabelece a sua filosofia espiritual:
EXORTAÇÃO
Liberto da matéria pela morte,
o espírito procura a perfeição.
O corpo fica entregue à própria sorte
e volta ao pó - que é a sua condição.
Por que chorar quem morre? seja forte,
que a morte, meu amor, é ilusão.
Você crê em Jesus? Pois se conforte,
que é momentânea esta separação.
Um dia, pode crer, na eterna glória,
enfim desvendaremos toda a história
da nossa milenar evolução.
O amor nos unirá eternamente,
viveremos em Deus e Ele na gente,
na apoteose da ressurreição!
Aliás, seu pensamento sobre a morte fica claro em Esfinge, soneto dedicado a Luiz Otávio:
ESFINGE
A Luiz Otávio - in memoriam.
Eis o ponto final chamado Morte!
mas quem pode afirmar com segurança
que Deus não nos reserva uma outra sorte
depois desta existência que nos cansa?
Quem sabe se mais bela, pura e forte,
teremos uma vida de bonança,
que enfim nos esclareça e nos conforte
sobre tanta cruel desesperança?
A Morte, certamente, é uma esfinge
que finge ser cruel, apenas finge,
porque, se é Lei de Deus, é boa e terna.
Bendita seja a Morte, esta impostora,
que a todos, inflexível e redentora,
conduz à luz sem fim da vida eterna!
De onde você estiver, Aparício, receba de coração, a nossa homenagem pela sua obra de amor e devoção em favor da poesia e do belo.